Estado de necessidade se
caracteriza como uma excludente de ilicitude, ou seja, um crime esta sendo
praticado e você pratica outro crime para evitar o primeiro, sacrificando um
bem jurídico para salvar outro.
Cleber Masson[1], afirma que:
“É a causa de exclusão
da ilicitude que depende de uma situação de perigo, caracterizada pelo conflito
de interesses lícitos, ou seja, uma colisão entre bens jurídicos pertencentes a
pessoas diversas, que se soluciona com a autoridade conferida pelo ordenamento
jurídico para o sacrifício de um deles para a preservação do outro” (MASSON,
2008, p.418).
Portanto, mesmo que seja
cometido um crime, este será nulo, pois estava protegido pela prerrogativa do
estado de necessidade. Mas existe uma duvida, estado de necessidade é uma
faculdade ou um direito?
Apesar de existirem diversas
opiniões, explica Damásio de Jesus[2] “O estado de necessidade
se configura como um direito subjetivo do réu, pois não cabe ao magistrado
decidir, mas somente verificar se estão presentes os requisitos legais e
concede-lo, tratando-se de uma relação entre agente e Estado”.
As duas maiores teorias
caracterizadoras do estado de necessidade são: a teoria diferenciadora e a
teoria unitária.
A teoria diferenciadora
deriva do direito penal alemão, sendo utilizada pelo nosso código penal militar
(arts. 39 e 43), como afirma Fernando[3] Capez:
De acordo com essa
teoria deve ser feita uma ponderação entre os valores dos bens e deveres em
conflito, de maneira que o estado de necessidade seja considerado causa de
exclusão da ilicitude somente quando o bem sacrificado for reputado de menor
valor. Funda-se, portanto, em um critério objetivo: a diferença de valores
entre os interesses em conflito (CAPEZ, 2012, p.300).
Segundo Capez, porem, quando
o bem sacrificado for de igual ou maior valor do bem salvo, não se
caracterizara como exclusão de ilicitude, mas sim como exclusão de
culpabilidade, em face da inexigibilidade de conduta diversa. Como por exemplo
o caso de um naufrago que só tendo uma boia salva sua vida e deixa seu amigo se
afogar
A teoria unitária, adotada
pelo nosso código penal, segundo Cleber Masson:
O estado de
necessidade é causa de exclusão de ilicitude, desde que o bem jurídico
sacrificado seja de igual valor ou de valor inferior ao bem jurídico preservado.
Exige-se, assim, somente a razoabilidade na conduta do agente. (MASSON, 2008,
p.419).
Portanto, não se exige uma
comparação de valores para invocar o estado de necessidade e sim somente a
razoabilidade do bem jurídico sacrificado. Por exemplo: Uma pessoa esta me
atacando com uma faca, para me defender saco um revolver e atiro na sua perna
(sem intenção de matar), o perigo estava iminente e utilizei os meios razoáveis
para me defender.
De acordo com o art. 24, §
1°, do código penal “Não pode alegar
estado de necessidade quem tinha o dever legal de enfrentar o perigo”, por
exemplo, um salva-vidas não pode deixar de salvar uma pessoa que se afoga
porque o mar está muito agitado. Pois o salva-vidas tem o dever legar de agir
para salvar pessoas, não tendo a prerrogativa de invocar o estado de
necessidade a seu favor.
Ainda, segundo o art. 24, § 2°,
do código penal, se o bem sacrificado for superior ao bem que estava em perigo,
caracterizara-se como fato ilícito, mas a pena poderá ser reduzida de 1/3 ate
2/3. Exemplo: “A” xinga “B”, que saca uma arma e atira matando “A”, os bens
jurídicos (ameaça e vida) não são razoáveis, portanto caracteriza-se o fato
ilícito, porem reduzida a pena de 1/3 a 2/3.
Porem, para que seja
caracterizado o estado de necessidade é preciso que alguns requisitos sejam
cumpridos, de acordo Cleber Masson, são eles:
(MASSON, 2008).
1) Situação de necessidade: Todo
aquele caso onde será necessário invocar o estado de necessidade a fim de se
proteger contra um mal maior, porem devem ser preenchidos algumas condições
para se tornar valido.
a) Perigo deve ser atual: O
perigo pode advir de diversas formas, mas deve sempre ser atual e efetivo
diante do caso concreto a fim de caracterizar o estado de necessidade.
Como
explica Cleber Masson:
Sua
origem pode vir de um fato da natureza (ex: uma inundação, subtraindo o agente
um barco para sobreviver), dos seres irracionais (ex: ataque de um cão bravio)
ou mesmo de uma atividade humana (ex: motorista que dirige em excesso de
velocidade e atropela um transeunte, com o objetivo de chegar rapidamente a um
hospital e socorrer um enfermo que se encontra no interior do veiculo). (MASSON,
2008, p.422).
b) Perigo não provocado
voluntariamente pelo agente: Existem divergências sobre como o perigo deve
causado para que seja alegado o estado de necessidade, alguns doutrinadores
como Damásio de Jesus, garantem que somente quando o perigo for causado
dolosamente pelo agente este não poderá invocar o estado de necessidade. Porem
outros doutrinadores como Assis de Toledo[4], alega que mesmo se o
perigo for causado culposamente (negligencia, imprudência ou imperícia) pelo
infrator este não poderá alegar o estado de necessidade.
Seguiremos o primeiro
entendimento, baseado na doutrina de Fernando Capez.
Em que pese à conduta
voluntaria pode apresentar-se tanto sob a forma dolosa quanto culposa (hipótese
em que a voluntariedade estará na base da conduta), entendemos que o legislador
quis referir-se apenas ao agente que cria dolosamente a situação de perigo,
excluindo, portanto, o perigo culposo. Com efeito, quando a lei emprega a
expressão “perigo atual, que não provocou por sua vontade”, esta nitidamente
querendo aludir á vontade de produzir o perigo, que nada mais é do que o dolo.
Assim, quem esquece um cigarro acesso na mata e dá causa a um incêndio pode
invocar o estado de necessidade, já que não provocou o perigo por sua vontade,
mas por sua negligencia. (CAPEZ, 2012, p.303).
c) Ameaça a direito próprio
ou alheio: O direito a ser protegido pode ser próprio ou alheio, desde que seja
legitimo perante o ordenamento jurídico.
Damásio de Jesus, afirma:
A intervenção necessária pode ocorrer para
salvar um bem jurídico dosujeito ou de terceiro (estado de necessidade próprio
e estado de necessidade de terceiro). No último caso, não se exige qualquer
relação jurídica específica entre ambos (não se exige relação de parentesco,
amizade ou subordinação entre o agente e o terceiro necessitado). (DE JESUS,
2011, p. 418).
Quando invocado o estado de necessidade para
terceiros, não é preciso a previa autorização da outra parte. Exemplo: A casa
esta pegando fogo e o vizinho entra para salvar as pessoas que nela residem.
d) Ausência do dever legal de enfrentar o perigo: Algumas
profissões como bombeiros, policiais, e salva-vidas, pelo seu caráter social,
acabam tornando-se perigosas, Sendo assim, seria inconcebível a não intervenção
em situações de risco. Conforme explica Fernando Capez.
Sempre
que a lei impuser ao agente o dever de enfrentar o perigo, deve ele tentar
salvar o bem ameaçado sem destruir qualquer outro, mesmo que para isso tenha de
correr os riscos inerentes à sua função. Poderá, no entanto, recusar-se a uma
situação perigosa quando impossível o salvamento ou o risco for inútil.
Exemplo: de nada adianta o bombeiro atirar-se nas correntezas de uma enchente
para tentar salvar uma pessoa quando é evidente que, ao fazê-lo, morrera sem
atingir seu intento. O CP limitou-se a falar em dever legal, que é apenas uma
das espécies de dever jurídico. Se, portanto, existir mera obrigação contratual
ou voluntaria, o agente não é obrigado a se arriscar, podendo simplesmente
sacrificar um outro bem para afastar o perigo. (CAPEZ, 2012, p.303).
2) Fato Necessitado: Depois
de preenchidos os requisitos acima, o agente esta apto á praticar o estado de
necessidade, porem ainda deve observar como o ato será praticado.
a) Inevitabilidade do perigo
por outro modo: O agente não tem outra saída a não ser praticar o ato lesivo
para defender o bem jurídico próprio ou de terceiro, porem se existir outra
saída menos lesiva, deve-se optar por esta, conforme explica Cleber Masson:
Em suma, o estado de
necessidade apresenta nítido caráter subsidiário: quando possível a fuga, por
ela deve optar o agente, que também deve sempre proporcionar a qualquer bem
jurídico o menor dano possível. (MASSON,2008, p.427).
Um exemplo clássico seria,
quando um individuo esta prestes a ser atacado por um cão bravio, mas tem a
opção de fugir sem lesão, não estará, portanto, autorizado a sacrificar o
animal.
b) Proporcionalidade: Não é
necessário que cada individuo saiba exatamente o valor dos bens jurídicos, mas
é imprescritível que sempre que utilizar o estado de necessidade pondere os
valores, de maneira razoável.
Portanto, para Damásio de
Jesus:
É o requisito da
proporcionalidade entre a gravidade do perigo que ameaça o bem jurídico do
agente ou alheio e a gravidade da lesão causada pelo fato necessitado. Não se
admite, p. ex., a prática de homicídio para impedir a lesão de um bem
patrimonial de ínfimo valor. (DE JESUS, 2011, p. 421).
O estado de necessidade pode
,como vimos anteriormente, se materializar de diversas formas. Portanto, seguindo
a doutrina de Fernando Capez, explicaremos estas formas.
1) Quanto a titularidade do
interesse protegido: estado de necessidade próprio, ou de terceiro.
2) Quanto ao aspecto
subjetivo do agente: real (perigo iminente) ou putativo (perigo imaginário)
3) Quanto ao terceiro que
sofre a ofensa: defensivo (a agressão dirige-se contra o provocador dos fatos)
ou agressivo ( o agente destrói o bem de terceiro inocente).
O estado de necessidade, por
ser uma conduta voltada exclusivamente para proteção do bem maior que temos (a
vida) muitas vezes é confundida com a dificuldade econômica que alguns têm para
sobreviver. Para tanto, Cleber Masson, afirma:
Em
casos excepcionais, admite-se a pratica de um fato típico como medida inevitável,
ou seja, para satisfação de necessidade estritamente vital que a pessoa, nada
obstante seu empenho, não conseguiu superar de forma licita. Logo, se o agente
podia laborar honestamente, ou então quando se apodera de bens supérfluos ou em
quantidade exagerada, afasta-se a justificativa. (MASSON, 2008, p.432).
Da
mesma forma, Fernando Capez, explica: Que o agente não pode portar arma
ilegalmente, com a justificativa que transita em locais perigosos, a não ser
que tenha uma autorização para os devidos fins.
REFERENCIAS
BIBLIOGRÁFICAS:
- CAPEZ, Fernando. Curso de Direito Penal – Parte Geral. 2012. 16° ed. Editora
Saraiva, São Paulo;
- DE JESUS, Damásio. Direito Penal – Parte Geral. 2011. 32° ed. Editora Saraiva, São
Paulo.
- MASSON, Cleber. Direito Penal – Parte Geral Esquematizado. 2008. Editora Método,
São Paulo.
[1]Cleber Masson é Promotor de Justiça em São Paulo. Doutor e Mestre em
Direito Penal pela PUC/SP. Professor da Rede LFG.
[2]Damásio
de Jesus é Advogado Criminalista, Parecerista, Diretor-Geral da Faculdade de
Direito Professor Damásio de Jesus, Presidente e Professor do Damásio
Educacional, DoutorHonoris
Causa em Direito pela
Universidade de Estudos de Salerno (Itália).
[3]Fernando Capez é Procurador de Justiça e ingressou no
Ministério Público em 1988, formado em Direito pela Universidade de São Paulo (USP),
Mestre pela USP e Doutor em Direito pela Pontifícia Universidade Católica
(PUC), atualmente é deputado estadual reeleito pelo Estado de São Paulo.
[4]Assis de Toledo
bacharelou-se em Direito pela Universidade de São
Paulo em 1956,foi ministro do Superior Tribunal de Justiça até se aposentar
em 1996, vindo a falecer
em Brasília no dia 28 de abril de 2001.
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