segunda-feira, 15 de junho de 2015

Estado de Necessidade - Direito Penal

Estado de necessidade se caracteriza como uma excludente de ilicitude, ou seja, um crime esta sendo praticado e você pratica outro crime para evitar o primeiro, sacrificando um bem jurídico para salvar outro.
Cleber Masson[1], afirma que:

“É a causa de exclusão da ilicitude que depende de uma situação de perigo, caracterizada pelo conflito de interesses lícitos, ou seja, uma colisão entre bens jurídicos pertencentes a pessoas diversas, que se soluciona com a autoridade conferida pelo ordenamento jurídico para o sacrifício de um deles para a preservação do outro” (MASSON, 2008, p.418).

Portanto, mesmo que seja cometido um crime, este será nulo, pois estava protegido pela prerrogativa do estado de necessidade. Mas existe uma duvida, estado de necessidade é uma faculdade ou um direito?
Apesar de existirem diversas opiniões, explica Damásio de Jesus[2] “O estado de necessidade se configura como um direito subjetivo do réu, pois não cabe ao magistrado decidir, mas somente verificar se estão presentes os requisitos legais e concede-lo, tratando-se de uma relação entre agente e Estado”. 
As duas maiores teorias caracterizadoras do estado de necessidade são: a teoria diferenciadora e a teoria unitária.
A teoria diferenciadora deriva do direito penal alemão, sendo utilizada pelo nosso código penal militar (arts. 39 e 43), como afirma Fernando[3] Capez:

De acordo com essa teoria deve ser feita uma ponderação entre os valores dos bens e deveres em conflito, de maneira que o estado de necessidade seja considerado causa de exclusão da ilicitude somente quando o bem sacrificado for reputado de menor valor. Funda-se, portanto, em um critério objetivo: a diferença de valores entre os interesses em conflito (CAPEZ, 2012, p.300).

Segundo Capez, porem, quando o bem sacrificado for de igual ou maior valor do bem salvo, não se caracterizara como exclusão de ilicitude, mas sim como exclusão de culpabilidade, em face da inexigibilidade de conduta diversa. Como por exemplo o caso de um naufrago que só tendo uma boia salva sua vida e deixa seu amigo se afogar
A teoria unitária, adotada pelo nosso código penal, segundo Cleber Masson:

O estado de necessidade é causa de exclusão de ilicitude, desde que o bem jurídico sacrificado seja de igual valor ou de valor inferior ao bem jurídico preservado. Exige-se, assim, somente a razoabilidade na conduta do agente. (MASSON, 2008, p.419).

Portanto, não se exige uma comparação de valores para invocar o estado de necessidade e sim somente a razoabilidade do bem jurídico sacrificado. Por exemplo: Uma pessoa esta me atacando com uma faca, para me defender saco um revolver e atiro na sua perna (sem intenção de matar), o perigo estava iminente e utilizei os meios razoáveis para me defender.
De acordo com o art. 24, § 1°, do código penal “Não pode alegar estado de necessidade quem tinha o dever legal de enfrentar o perigo”, por exemplo, um salva-vidas não pode deixar de salvar uma pessoa que se afoga porque o mar está muito agitado. Pois o salva-vidas tem o dever legar de agir para salvar pessoas, não tendo a prerrogativa de invocar o estado de necessidade a seu favor.
Ainda, segundo o art. 24, § 2°, do código penal, se o bem sacrificado for superior ao bem que estava em perigo, caracterizara-se como fato ilícito, mas a pena poderá ser reduzida de 1/3 ate 2/3. Exemplo: “A” xinga “B”, que saca uma arma e atira matando “A”, os bens jurídicos (ameaça e vida) não são razoáveis, portanto caracteriza-se o fato ilícito, porem reduzida a pena de 1/3 a 2/3.
Porem, para que seja caracterizado o estado de necessidade é preciso que alguns requisitos sejam cumpridos, de acordo Cleber Masson, são eles:

(MASSON, 2008).

1) Situação de necessidade: Todo aquele caso onde será necessário invocar o estado de necessidade a fim de se proteger contra um mal maior, porem devem ser preenchidos algumas condições para se tornar valido.
a) Perigo deve ser atual: O perigo pode advir de diversas formas, mas deve sempre ser atual e efetivo diante do caso concreto a fim de caracterizar o estado de necessidade. 
Como explica Cleber Masson:

Sua origem pode vir de um fato da natureza (ex: uma inundação, subtraindo o agente um barco para sobreviver), dos seres irracionais (ex: ataque de um cão bravio) ou mesmo de uma atividade humana (ex: motorista que dirige em excesso de velocidade e atropela um transeunte, com o objetivo de chegar rapidamente a um hospital e socorrer um enfermo que se encontra no interior do veiculo). (MASSON, 2008, p.422).

b) Perigo não provocado voluntariamente pelo agente: Existem divergências sobre como o perigo deve causado para que seja alegado o estado de necessidade, alguns doutrinadores como Damásio de Jesus, garantem que somente quando o perigo for causado dolosamente pelo agente este não poderá invocar o estado de necessidade. Porem outros doutrinadores como Assis de Toledo[4], alega que mesmo se o perigo for causado culposamente (negligencia, imprudência ou imperícia) pelo infrator este não poderá alegar o estado de necessidade.
Seguiremos o primeiro entendimento, baseado na doutrina de Fernando Capez.

Em que pese à conduta voluntaria pode apresentar-se tanto sob a forma dolosa quanto culposa (hipótese em que a voluntariedade estará na base da conduta), entendemos que o legislador quis referir-se apenas ao agente que cria dolosamente a situação de perigo, excluindo, portanto, o perigo culposo. Com efeito, quando a lei emprega a expressão “perigo atual, que não provocou por sua vontade”, esta nitidamente querendo aludir á vontade de produzir o perigo, que nada mais é do que o dolo. Assim, quem esquece um cigarro acesso na mata e dá causa a um incêndio pode invocar o estado de necessidade, já que não provocou o perigo por sua vontade, mas por sua negligencia. (CAPEZ, 2012, p.303).

c) Ameaça a direito próprio ou alheio: O direito a ser protegido pode ser próprio ou alheio, desde que seja legitimo perante o ordenamento jurídico.
Damásio de Jesus, afirma:

A intervenção necessária pode ocorrer para salvar um bem jurídico dosujeito ou de terceiro (estado de necessidade próprio e estado de necessidade de terceiro). No último caso, não se exige qualquer relação jurídica específica entre ambos (não se exige relação de parentesco, amizade ou subordinação entre o agente e o terceiro necessitado). (DE JESUS, 2011, p. 418).

                 Quando invocado o estado de necessidade para terceiros, não é preciso a previa autorização da outra parte. Exemplo: A casa esta pegando fogo e o vizinho entra para salvar as pessoas que nela residem.
                 d) Ausência do dever legal de enfrentar o perigo: Algumas profissões como bombeiros, policiais, e salva-vidas, pelo seu caráter social, acabam tornando-se perigosas, Sendo assim, seria inconcebível a não intervenção em situações de risco. Conforme explica Fernando Capez.

Sempre que a lei impuser ao agente o dever de enfrentar o perigo, deve ele tentar salvar o bem ameaçado sem destruir qualquer outro, mesmo que para isso tenha de correr os riscos inerentes à sua função. Poderá, no entanto, recusar-se a uma situação perigosa quando impossível o salvamento ou o risco for inútil. Exemplo: de nada adianta o bombeiro atirar-se nas correntezas de uma enchente para tentar salvar uma pessoa quando é evidente que, ao fazê-lo, morrera sem atingir seu intento. O CP limitou-se a falar em dever legal, que é apenas uma das espécies de dever jurídico. Se, portanto, existir mera obrigação contratual ou voluntaria, o agente não é obrigado a se arriscar, podendo simplesmente sacrificar um outro bem para afastar o perigo. (CAPEZ, 2012, p.303).

2) Fato Necessitado: Depois de preenchidos os requisitos acima, o agente esta apto á praticar o estado de necessidade, porem ainda deve observar como o ato será praticado.
a) Inevitabilidade do perigo por outro modo: O agente não tem outra saída a não ser praticar o ato lesivo para defender o bem jurídico próprio ou de terceiro, porem se existir outra saída menos lesiva, deve-se optar por esta, conforme explica Cleber Masson:

Em suma, o estado de necessidade apresenta nítido caráter subsidiário: quando possível a fuga, por ela deve optar o agente, que também deve sempre proporcionar a qualquer bem jurídico o menor dano possível. (MASSON,2008, p.427).

Um exemplo clássico seria, quando um individuo esta prestes a ser atacado por um cão bravio, mas tem a opção de fugir sem lesão, não estará, portanto, autorizado a sacrificar o animal.
b) Proporcionalidade: Não é necessário que cada individuo saiba exatamente o valor dos bens jurídicos, mas é imprescritível que sempre que utilizar o estado de necessidade pondere os valores, de maneira razoável.
Portanto, para Damásio de Jesus:

É o requisito da proporcionalidade entre a gravidade do perigo que ameaça o bem jurídico do agente ou alheio e a gravidade da lesão causada pelo fato necessitado. Não se admite, p. ex., a prática de homicídio para impedir a lesão de um bem patrimonial de ínfimo valor. (DE JESUS, 2011, p. 421).

O estado de necessidade pode ,como vimos anteriormente, se materializar de diversas formas. Portanto, seguindo a doutrina de Fernando Capez, explicaremos estas formas.
1) Quanto a titularidade do interesse protegido: estado de necessidade próprio, ou de terceiro.
2) Quanto ao aspecto subjetivo do agente: real (perigo iminente) ou putativo (perigo imaginário)
3) Quanto ao terceiro que sofre a ofensa: defensivo (a agressão dirige-se contra o provocador dos fatos) ou agressivo ( o agente destrói o bem de terceiro inocente).
O estado de necessidade, por ser uma conduta voltada exclusivamente para proteção do bem maior que temos (a vida) muitas vezes é confundida com a dificuldade econômica que alguns têm para sobreviver. Para tanto, Cleber Masson, afirma:

Em casos excepcionais, admite-se a pratica de um fato típico como medida inevitável, ou seja, para satisfação de necessidade estritamente vital que a pessoa, nada obstante seu empenho, não conseguiu superar de forma licita. Logo, se o agente podia laborar honestamente, ou então quando se apodera de bens supérfluos ou em quantidade exagerada, afasta-se a justificativa. (MASSON, 2008, p.432).

Da mesma forma, Fernando Capez, explica: Que o agente não pode portar arma ilegalmente, com a justificativa que transita em locais perigosos, a não ser que tenha uma autorização para os devidos fins.

REFERENCIAS BIBLIOGRÁFICAS:

- CAPEZ, Fernando. Curso de Direito Penal – Parte Geral. 2012. 16° ed. Editora Saraiva, São Paulo;

- DE JESUS, Damásio. Direito Penal – Parte Geral. 2011. 32° ed. Editora Saraiva, São Paulo.

- MASSON, Cleber. Direito Penal – Parte Geral Esquematizado. 2008. Editora Método, São Paulo.




[1]Cleber Masson é Promotor de Justiça em São Paulo. Doutor e Mestre em Direito Penal pela PUC/SP. Professor da Rede LFG.
[2]Damásio de Jesus é Advogado Criminalista, Parecerista, Diretor-Geral da Faculdade de Direito Professor Damásio de Jesus, Presidente e Professor do Damásio Educacional, DoutorHonoris Causa em Direito pela Universidade de Estudos de Salerno (Itália).
[3]Fernando Capez é Procurador de Justiça e ingressou no Ministério Público em 1988, formado em Direito pela Universidade de São Paulo (USP), Mestre pela USP e Doutor em Direito pela Pontifícia Universidade Católica (PUC), atualmente é deputado estadual reeleito pelo Estado de São Paulo.
[4]Assis de Toledo bacharelou-se em Direito pela  Universidade de São Paulo em 1956,foi ministro do Superior Tribunal de Justiça até se aposentar em 1996, vindo a falecer em Brasília no dia 28 de abril de 2001.

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